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Resenha 

Filme Devorar (Swallow)

por Roberto Pereira  / 9 de maio de 2020

Devorar (Swallow) é um filme de suspense psicológico de 2019, escrito e dirigido por Carlo Mirabella-Davis. O filme traz uma carga melancólica e uma discussão sutil de plano de fundo sobre os papéis sociais que envolvem gênero. Segundo entrevista, o autor revelou que o filme foi inspirado em sua avó, uma mulher que desenvolvera um transtorno obsessivo compulsivo por lavar as mãos, na década de 1950. Conforme Mirabella-Davis, a avó utilizava quatro barras de sabão e doze garrafas de álcool por semana e acabou sendo internada e submetida a terapias de choque, insulina e lobotomia bilateral.

É assim, a partir dessa influência pessoal, que o filme de 94 minutos traz a atriz Haley Bennett no papel de Hunter, uma dona de casa recém casada, grávida e com uma estranha compulsão por ingerir objetos perigosos. Enquanto o marido Richie (Austin Stowell) e seus pais exercem um controle sobre sua vida, Hunter precisa lidar com seu sombrio e secreto passado ao mesmo tempo em que se lança cada vez mais fundo em sua nova obsessão.

O filme, em termos estéticos, conjuga vários elementos para reforçar a história e alinhar os comportamentos e a posição de submissão da protagonista. Desse modo, nada em cena está ali por mero acaso. A ambientação se destaca, nesse sentido, por mesclar forma e conteúdo através das características arquitetônicas minimalista da luxuosa casa do casal, valorizando os espaços amplos e a iluminação natural. E isso favoreceu e deu ênfase às passagens que envolviam o vazio existencial e as tensões da personagem que mal mantinha um simples diálogo com o marido. 

Sob a influência pessoal do diretor, também temos a reprodução do ambiente doméstico estadunidense típico dos anos 50. Como exemplo, podemos incluir parte da mobília, as roupas e o corte de cabelo de Hunter, na altura dos ombros com franja, compulsivamente alinhados pela personagem, que seria numa cena mais a frente, alvo de crítica por parte da mãe de Richie. Assim, por esse caminho, temos dois elementos que se destacam e marcam a personagem: a evolução da sua compulsividade e sua subserviência à família do marido que nitidamente a desvaloriza.

Ainda sobre o clima dos anos 50, existe uma referência nostálgica à chamada era de ouro dos Estados Unidos, época do American Dream. O significado disso, por um lado, passa pela posição social de gênero onde a esposa deve ser a dona de casa exemplar, a despeito da pouca margem e autonomia para tal; por outro, é destacar o sucesso e a prosperidade da família do marido, que por sua vez, tenciona adaptabilidade de Hunter àquele meio bem sucedido e estruturado, completamente oposto ao seu.

A fotografia do filme também consegue transmitir toda atmosfera que envolve a compulsão, a submissão e o desejo de controle e organização de Hunter. Os ângulos e os enquadramentos das cenas puderam reforçar a ideia de inferioridade da personagem. Destaco o uso das cores. Roupas, paredes e alguns móveis em tons pastéis, enquanto sofá, cortina e batom vermelhos, assim como o sangue da própria personagem, constroem uma metáfora do processo de ingerir para digerir, de um dentro e fora, intercambiados pela busca obsessiva e dolorosa de estar no controle, sempre frustrada, de Hunter.

O filme é conceitualmente muito bem elaborado e sua temática, pouco convencional, faz com que não se torne previsível. Porém, essas mesmas características podem afastar o grande público, assim como a forma com que o tempo é usado para apresentar as relações que envolvem o comportamento obsessivo de engolir objetos e o passado sombrio da personagem. Dessa maneira, lentamente, cerca de dois terços do tempo, o início e boa parte do filme, foram dedicados à descoberta e ao próprio reforçamento do comportamento compulsivo de engolir e colecionar os objetos, que são postos por ela, para fora do seu corpo. A condição da personagem é chamada de Alotriofagia ou Síndrome de Pica, pode começar muito cedo e pode passar como sendo apenas uma curiosidade infantil. Mas o comportamento de engolir objetos sem valor nutricional e muitas vezes nocivos à saúde, pode ser comum em pessoas que apresentam algum transtorno psicológico como depressão, ansiedade ou que façam uso de certas drogas e ainda pode se apresentar em pessoas com deficiência de ferro e de zinco no organismo. Para identificação da doença é importante estar atendo a duas características: a pessoa deve sentir forte impulso por ingerir objetos há pelo menos 30 dias e ter idade suficiente para ter consciência dos seus atos, inclusive de que a ingesta desses objetos podem lhe causar algum dano. Assim de volta, algumas cenas do distúrbio são fortes e se distribuem o longo do filme. Contudo, o desenlace pareceu-me demasiado acelerado e desproporcionalmente curto, mas sem que isso comprometesse a conclusão da trama. É um ótimo filme para psicólogos e estudantes de Psicologia, assim como pessoas que tenham interesse pela área e principalmente pelo estudo ou vivência do comportamento obsessivo em seus mais diversos tipos e graus de evolução.


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